Nilton Deodoro

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ELIANA

     Eliana era uma pessoa com semblante sempre tão sereno que só poderia ser um traço atávico da sua personalidade. Com pessoas desconhecidas podia esboçar, por vezes, alguma postura de estranheza, mas logo voltava a exibir aquela serenidade de provocar admiração.
     Em algumas ocasiões, poderia tornar-se ora mais extrovertida ora mais retraída. Mas aí já era uma questão  subjetiva de empatia. Sua família não tinha nada que se possa dizer de especial, a não ser pela admiração e amizade que conquistara na vizinhança.
     Talvez fosse pela harmonia e alegria que reinavam naquele lar. Essa harmonia se refletia também no aspecto financeiro, pois, como se diz, nada-faltava-naquela-casa.
     Em que pese ter recebido algum dinheiro por ter participado de um comercial de xampu na TV, Eliana não trabalhava. Seus pais compreendiam que fora um ganho eventual, embora pudessem surgir outras oportunidades. O que seria bem vindo.      Sabiam que iria colaborar com os gastos da casa no momento certo.
     Além de serena, era despojada no que diz respeito a bens materiais. Pouco lhe bastava para viver. Seu interesse estava voltado para as coisas novas.
     Sua constante avidez pelo aprendizado era estimulada pelos pais, que consideravam o conhecimento a principal ferramenta para o desenvolvimento pessoal.
     E assim, a vida ia seguindo sem que nenhum fato alterasse aquela harmonia de forma significativa. Principalmente para Eliana, que via o mundo com olhos de criança —  otimistas e curiosos.
     Certo dia, porém, tudo mudou... desapareceu a serenidade de seu rosto.
     Eliana nunca mais foi a mesma.
     A personalidade contemplativa e curiosa cedeu lugar a um estado de constante expectativa, especialmente quando alguém aumentava o volume do som.
     O próprio ambiente da sala, onde passava a maior parte do tempo, já não lhe parecia tão acolhedor. O lugar lhe trazia à lembrança as experiências traumatizantes por que tinha passado naquele fatídico dia.
     Quando a campainha tocava, sua atenção voltava-se para a porta, os olhos abriam-se mais que o normal. Só ficava tranquila e acessível quando se tratava de pessoa conhecida. Mas a relação já não era a mesma.
     Naquele dia, por volta das l7h, Eliana vivenciou a experiência mais marcante de sua vida. Bem antes das l7h, havia uma movimentação na casa que não era habitual.
Como se tratava de pessoas da vizinhança e que junto com sua mãe, davam boas gargalhadas entrecortando a conversa, Eliana não deu muita importância. Desconcentrava-se por alguns segundos das atividades, mas logo retornava aos seus assuntos e afazeres.

     Vez por outra traziam objetos que lhe pareciam estranhos, que espalhados sobre a mesa e paredes, também lhe desviavam a atenção.
     Sua paz terminou mesmo, após o banho.
     De roupa nova, pois nada faltava naquela casa, deparou-se com a sala repleta de pessoas. Algumas conhecidas, a maioria totalmente estranhas.
     Perplexidade!
     Olhou para a mãe como a procurar explicação ou, pelo menos, solidariedade.
     Em vão!
     Sua mãe exibia um inexplicável sorriso da mais completa felicidade.
     Foi aí que sua angústia começou a crescer em  espiral.
     Não entendia o que estava acontecendo.      Para ela, apesar dos sorrisos, continuava perplexa, incomodada.
     Experiência terrível!
     Horas difíceis.
     O estresse só terminou quando cantaram o “Parabéns pra você”, no seu primeiro aniversário...
     O trauma? Foi curado em sessões de terapia, anos depois.

 
Nilton Deodoro
Enviado por Nilton Deodoro em 15/07/2010
Alterado em 12/02/2016


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