Nilton Deodoro

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O RELÓGIO (Crônica descritiva)

   O fascínio que o relógio exerce sobre a maioria das pessoas, é algo que despertou minha atenção ao longo da vida. Quem não sonhou possuir determinado relógio? Quem não resistiu ao desejo de comprar um alegre cuco ou um preguiçoso carrilhão?

   Outrora, realizei o desejo de possuir um Mido automático, presente de minha mulher. Ficou no pulso mais de vinte anos. Hoje, descansa em uma gaveta, aguardando a quinta reforma. Vez por outra volta ao pulso à feição de talismã.

   Diversos modelos foram criados desde o de relógio de sol, passando pelos raros, de madeira, ocultos nos campanários de algumas igrejas. Em Angra dos Reis existe um. Talvez seja o objeto com as mais variadas formas de apresentação e uso. Neste aspecto, destaca-se a funcionalidade, a estética, a vaidade de quem o usa. É um nicho de mercado que as indústrias perceberam e sabem explorar muito bem. 

   Nas vitrines estas máquinas maravilhosas conquistam sempre o melhor espaço e nas mais das vezes, são realçadas com focos de luz, que lhes dão ares de jóia. Além dos modernos detalhes, como aço escovado, titânio, vidro à prova de arranhão – cristal de safira – o brilho é o argumento derradeiro de capitulação diante das vitrines. Reforçam esta “armadilha”, os desenhos das caixas, dos mostradores e das correntes, verdadeiras obras de arte a encantar nossos olhos.

   Calcadas na idéia atual de variação de produtos expostos à venda, algumas lojas reservam local nobre para exporem as maquininhas, ainda que não sejam relojoarias. Em alguns países há ruas que se transformaram em pontos turísticos, por concentrarem vendedores e compradores, colecionadores ou não. Ali se encontram os mais variados tipos, desde os mais antigos, com preços compatíveis à sua raridade, até os mais modernos, descartáveis, baratos.

   Um Rolex no pulso sugere status econômico elevado, vaidade, a simples realização de um sonho. É também o “caviar” dos ladrões interessados nesses objetos!

   Certa vez chamou-me a atenção um daqueles relógios reluzentes, com vários ponteiros sobre fundo preto, corrente grossa e cromada. Estava no pulso do pintor de paredes do prédio onde moro. Sua pele negra e roupas de trabalho completamente tingidas por pingos de tinta, arco-íris abstrato, realçavam ainda mais a “jóia”. Não resisti e comentei sobre o visual do relógio. Envaidecido, o pintor acrescentou alguns elogios, inclusive o de tê-lo comprado por dez reais no camelô há mais de um ano e estar funcionando perfeitamente. O Rolex e o “cebolão”, de valores tão distintos, produzem a mesma sensação de prazer...

   Ao viajar pelo Brasil, na maior parte das cidades do interior, encontraremos além da Avenida Getulio Vargas e o Hotel Imperial ou Palace Hotel, que geralmente não confirmam o conforto que a pompa do nome sugere, colina onde se destaca  igreja com sua torre,  que abriga  relógio visível na maior parte da região. Ali está a serviço da população, mas subliminarmente lembra aos fiéis a presença da igreja.

   A propósito, conta-se que um turista, de pilhéria, perguntou as horas a um matuto, que descansava na grama à beira de uma estradinha de terra, junto à sua vaca. Após levantar a teta da vaca, o matuto informou a hora exata! Pasmo, o turista indagou como ele conseguira ver a hora na teta da vaca.
“— Não, doutô, eu levantei a teta da vaca pra vê a torre da igreja lá na colina!”

   Nos elevadores, o relógio é um bom companheiro para tímidos, inseguros ou estressados. É comum que, ao invés de cumprimentarem ou esboçarem algum aceno de convívio social, consultem o relógio a cada segundo, e este gesto se repete até o momento do desembarque! É a vida moderna nos distanciando uns dos outros.
 
   O fascínio pelo relógio é tal, que acabou por transformá-lo em objeto de escambo, quase como foi com o sal. Vi ser trocado por bicicleta, passarinho, por outro de menor valor, mais uma compensação em dinheiro...

   Finalmente, como pano de fundo do interesse do homem pelo relógio, surge o tempo! Essa noção metafísica que nos dá a compreensão de passado, presente e futuro. Não conheço nada mais socializado que o tempo. É igual para todos. Ninguém tem mais ou menos do que o outro. Ninguém pode acumular ou gastar mais do que dispõe. Talvez isso explique a ânsia humana por controlar o tempo. Milésimos de segundo determinam o vencedor de uma competição, mas horas parecem milésimos de segundo quando temos nos braços a pessoa amada!

   Excluo destas observações aqueles para os quais o tempo não tem importância. 

   Atingiram o NIRVANA...

 
Nilton Deodoro
Enviado por Nilton Deodoro em 29/07/2010
Alterado em 22/03/2015


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