SUMMERHILL
Liberdade Sem Medo e Liberdade Sem Excesso são livros que li sem respirar, da primeira à última página. Ah! Virando a Própria Mesa, de Ricardo Semler, também. O motivo para incluir nesta crônica o livro “Virando a Própria Mesa”, claro, refere-se ao grande interesse que tive pela leitura imediata, do inicio ao fim, sem descanso. Parece banal, pois muitos são “devorados” desta maneira. Entretanto, no meu caso, esta “façanha” merece destaque: nunca fui muito de leitura, embora tenha a mania de comprar livros que descansam nas prateleiras das estantes, depois de conhecidas as dez ou vinte primeiras páginas. Aguardam "termpo" para voltar a lê-los. Creio ter concluído a leitura de mais alguns, mas não me recordo quais. Alguns são doados. Antes que se forme um conceito pouco abonador sobre mim, declaro que li, integralmente, no padrão Summerhill, cada um dos Gibis que chegavam às minhas mãos, quase que diariamente, nas décadas de cinquenta e sessenta – nesta época, era comum jornaleiros venderem de porta em porta. Talvez, por isso, tenha sido eleito orador da minha formatura no antigo Admissão. Olha que interessante: quando fiz a correlação entre os livros, o elo referia-se ao interesse que tive na leitura ávida dos assuntos. Agora, recordo que Ricardo Semler, anos depois de desenvolver (novecentos por cento) as indústrias herdadas com a morte do pai (era roqueiro na época, acho que com dezenove anos), entre diversas atividades, resolveu criar uma escola moderna, de acordo com sua crença sobre Educação. Reuniu “cabeças” que ele tinha como competentes, entre as quais o ex-ministro da Educação Paulo Renato de Souza, e criou o projeto Lumiar. Andou visitando diversas escolas pelo mundo que pudessem lhe oferecer experiências inovadoras. Olha só: inclusive SUMMERHILL! No relatório de inspeção anual nas escolas da Inglaterra, relativamente à Summerhill, os inspetores da Rainha constataram o seguinte paradoxo: apesar de Summerhill contrariar diversos princípios educacionais ditados pelo Reino, foi justamente ali que encontraram os alunos mais bem preparados, educados e de forte personalidade. Amor, liberdade e responsabilidade são passagens marcantes na leitura, com as quais me identifiquei profundamente. Nasceu em mim um desejo enorme de formação parecida com essa, para meus três filhos. Não conseguia pensar em outra coisa. Virou mesmo desejo incontido, obsessão... Summerhill pratica o conceito de Democracia em seu pleno significado, tendo como escopo a ideia de fazer com que a escola se adapte às crianças, em lugar de fazer com que as crianças se adaptem à escola. Certa vez, um aluno externou o desejo de quebrar a vidraça de uma das janelas, atingindo-a com uma pedra. Foi autorizado, desde que o conserto fosse pago por ele, descontando mensalmente pequeno valor da mesada enviada pelos pais (Regime de internato). Não chegou a pagar todo o conserto porque um empresário, ouvinte de palestra sobre Summerhill, penalizado, liquidou o débito. É impossível criar filhos sem cometer nenhuma falha, em que pese nosso empenho para evitá-las. Sendo mais de um, surge a possibilidade de cometermos injustiças. Quando são três, a coisa complica, pois existe aí a figura do filho do meio, o chamado filho sanduíche. Na época, vivia preocupado em achar a melhor forma de relacionamento com meus três filhos (de nove, sete e dois anos de idade), pois minha mulher vinha me alertando para o fato de que eu não dava a necessária atenção a Andrey, o tal filho sanduíche. O mais velho acabara de ingressar no Colégio de Aplicação da UERJ, (CAP), um grande sonho realizado! (nosso Summerhill brasileiro - rs) Era a sensação da casa — mais tarde, os outros dois também lograriam êxito no concurso de admissão ao CAP. Ufa! O mais novo, no esplendor dos seus dois aninhos, dispunha da maior fatia de minha atenção pelas coisas engraçadas que fazia e falava, próprias dessa idade. Assim, Andrey experimentava fase de transformação. Vivia numa espécie de limbo, aguardando as definições de sua vida. Por isso, era uma usina de traquinagens! Vivíamos “batendo de frente” a toda hora. (E eu não percebia que seu objetivo era chamar minha atenção). A opinião da minha mulher, como das mães em geral, deveria ser levada em conta, pois, geralmente, o homem não possui a mesma sagacidade que elas, especialmente para avaliação das falhas na formação e educação dos filhos, entre outras coisas. Suas observações assumiam caráter mais importante, pois, além de mãe, era professora de mancheia, daquelas que “descobrem” deficiências auditivas e visuais, analfabetos funcionais e toda uma gama de problemas de aprendizagem nos alunos. No caso dela, pasmem, em alunos da 5ª série (Antigo admissão)! Autêntica EDUCADORA! Sem nenhuma experiência na área, Summerhill transformou-se numa espécie de bíblia da Educação, tal o impacto que me causou. Nova olhar, jamais imaginado. Meu entendimento sobre o assunto passou a dividir-se em dois momentos: A.S. e D.S. – antes e depois de Summerhill. Assim, mergulhei com intensidade nas experiências descritas nos livros, com as quais concordava quase que totalmente. Apaixonei-me pelas ideias de A.S.Neil, fundador e diretor de Summerhill (Antes, considerado a ovelha negra da família) e, embora sem aplicar integralmente os novos conhecimentos, a filosofia de Neil instalou-se em minha forma de entender Educação. Temos claro que, geralmente, na prática, a teoria não funciona de acordo com a expectativa criada, gerando, vez por outra, sério impasse. Vivíamos uma vida contida financeiramente, compatível com os ganhos de professora e bancário. Mesmo com renda sem grande folga, logramos construir uma pequena casa em estilo colonial — outro sonho realizado!. Sou pouco exigente em termos de decoração, mas um dos móveis, o sofá de três lugares forrado de courino, fiz questão de reformar para a casa nova, com tecido de minha escolha – listras largas pretas e outras brancas que, ao se cruzarem, formavam quadrados cinzas. Ficava embaixo do janelão da sala que abria vista para pequeno quintal forrado em pedra rústica, poste e lampião imitando peças antigas. A porta da frente, em quatro folhas de peroba envernizada e envidraçada, praticamente tomava toda a frente da sala. Linda! O acesso a ela se dava por ampla varanda em piso de lajotas coloniais de barro, enceradas. Ao chegar à casa depois do trabalho, um dos meus prazeres, além do encontro com a família, era alcançar a sala, através do caminho de lajotas de pedra assentadas no gramado do jardim e me deparar com o belo sofá de três lugares, listrado em preto e branco, concebido por mim. (rs). O tal “impasse” surgiu quando Andrey, em pé, no janelão, surpreendeu-me, ao começar a urinar no sofá, tão logo adentrei a sala. Imagina! Logo o sofá de três lugares, forração em tecido, concebido por mim – a joia da casa! Baseado em meus conhecimentos “sumerhillnianos”, expressei minha indignação, com veemência, mas sem aplicar-lhe a psicopedagogia portuquesa criada por meu pai, (PPP), com a qual fui criado – na base da porrada! Bem, sobrou a satisfação de ter resolvido o impasse, sem violência física. Entretanto, existe o dia seguinte. Sim, aconteceu! Ele repetiu a façanha... Neste limite, inspirado no princípio da não violência de Summerhill, me permiti ir ao quarto dele, subir na sua cama, e descarregar toda a urina disponível. Junto, a adrenalina. ( Não sei se em Summerhill se adotaria esta medida extrema). Foi o que me ocorreu, naquele momento de pressão... Andrey, em prantos... A mãe, educadora de mancheia, perplexa... Eu, em paz... Funcionou! O lindo sofá de três lugares, listrados em preto e branco, com quadrados cinzas nos cruzamentos das listras, concebido por mim, a joia da casa, nunca mais foi utilizado como louça sanitária... Hoje, claro, apesar dos “impasses”, resolvidos à Summerhill, somos grandes amigos... N.A.: Senhores pais, não repitam isto em casa. Existem outras formas menos impactantes de educação infantil. (rs). Imagem do Google. Nilton Deodoro
Enviado por Nilton Deodoro em 07/06/2018
Alterado em 19/06/2020 |