PREVIDÊNCIA, PROVIDÊNCIA.
Todo esse “tititi” em torno da reforma da “Previdência” fez com que eu colocasse minha barba de molho. Neste caso, tomar providência para minha sobrevivência... Nas palestras sobre preparação do trabalhador para se aposentar, uma das abordagens que mais me chamou a atenção foi a financeira, na hipótese de inexistência de plano de aposentadoria complementar — meu caso. Diante do leque de atividades sugeridas, a que mais se encaixou no meu perfil etário foi a abertura de pequeno comércio, praticamente de subsistência, sem almejar grandes ganhos. Para mim, bastava que pudesse, ao mesmo tempo, suprir eventual perda financeira, sem, no entanto, exigir esforço incompatível com meu estágio atual aqui na Terra... (Equação difícil essa... Compatibilizar inversos...). Já que Thomas Edson e outros, diante de problemas ainda sem solução, costumavam utilizar o artifício de deixar por conta do subconsciente a referida solução, depois de um (ou mais) bom cochilo, sem escrúpulos, coloquei meu cérebro a trabalhar para o seu senhor: eu! No dia seguinte, no limiar do despertar... Eureca! Sim, ainda pensando em meu estágio atual aqui na Terra, ficou claro, cristalino: vou abrir uma funerária! Equação resolvida! Obrigado, meu eficiente subconsciente! Como sói acontecer, alguns artistas sonham com músicas já com letra e melodia prontas. Pacote fechado. No meu caso, também me foi oferecido, de bandeja, serviço completo: tipo de negócio, sugestão de nome fantasia, bem como de slogans: Nome fantasia: FUNERÁRIA SEJA BEM VINDO, MAS VÁ EM PAZ... Slogan 1: Não desejamos que ninguém morra, mas precisamos que nosso negócio corra... Slogan 2: Não desejamos mal a ninguém, principalmente a quem vai para o além... Reconheço que viverei sob autêntico paradoxo, mas não maior que o paradoxo da própria vida: VIVE-SE PARA MORRER... Eis os fatores do negócio que me levaram à decisão final: - Ambiente de trabalho silencioso; - Nada do antipático “Sorria, você está sendo filmado”, totalmente inadequado para a situação; - Nada de “empurrar” para o cliente a pseudo “garantia estendida”. No caso, pode soar irônico, eis que estendido está o “de cujus”. Além disso, não conheço quem a tenha utilizado, uma vez que normalmente o certificado encontra-se jaz (ops!), esquecido, no fundo de qualquer gaveta. Ademais, torna-se claro que, pela própria natureza do negócio, a rápida deterioração é o que se espera do produto; - Também não há necessidade de gentilezas ou afagos exagerados no trato da operação, nem o antipático aviso “não aceitamos reclamações posteriores nem garantimos a devolução do dinheiro no caso de insatisfação do cliente”, posto que esse tipo de consumidor jamais retornará para reclamações posteriores* ou enviará cartinhas ao PROCON. - Por fim, há forte economia de investimento em impulsão do negócio via internet, uma vez que não há nicho a ser explorado. Só o fato de o indivíduo nascer já o torna cliente em potencial. Será, apenas, uma questão de tempo... Em suma, pronto para a aposentadoria! (*) exceto os raros casos de catalepsia... (Texto de ficção) Nilton Deodoro
Enviado por Nilton Deodoro em 14/12/2018
Alterado em 08/10/2019 |